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31/03/2010

Jacaré não é de feijoada, feijoada não é de Jacaré

Meses atrás, fui levado por um amigo a conhecer o bufê de feijoada de quarta-feira do Jacaré, uma churrascaria que nasceu armazém e que, com o tempo, foi tomando conta de uma determinada clientela da Vila Madalena. Uma gente mais ou menos bem vestida, mais ou menos endinheirada, mais ou menos exigente, ao menos no que diz respeito ao gelo da cerveja, à qualidade das carnes assadas de modo simples, só no sal, servidas com um molho de cebola muito gostoso e uma farofinha bem esperta.
O Jacaré é legal, sua morcilla é Pirineus, a carne é toda boa, o serviço é competente, os preços são padrão da região. Por conta da sua existência, formou-se em torno uma tropa de concorrentes vizinhos como o Piratininga, o Sacha's, o Leôncio e agora, mais recentemente, o Bárbaro de Sto Amaro.
O bufê de feijoada me atraiu a ponto de ter motivado vários convites que fiz para amigos meus virem compartilhá-lo comigo. Seu preço bem razoável (R$28,00), servia feijão, paio, linguiça portuguesa, lingua defumada, costelinha, carne seca, pé, orelha e rabo, cada um em seu caldeirão. Dava direito a saladas bem feitas e bem boladas.
Fazia parte do todo uma taça de batidinha ou uma dose de cachaça da Tulha, um blended feito por  Guto Quintella, cujo produto final tem 70% envelhecida em carvalho americano, 12% em jequitibá, 12% em carvalho antigo, 3% em amburana e 3% em bálsamo, segundo o site ocachacier.com.br.
O molho de feijão era muito bem feito e a couve de primeira, além do caldinho de entrada com torresmo.
Pois bem, hoje fui conferir e a decepção foi grande. Não tem mais bufê: "quando batia o sol, a feijoada ficava lá estragando, ninguém queria", diz a simpática proprietária, completou, procurando minha solidariedade e compreensão, dando a entender que apenas cobrando o dobro valeria a pena manter tal luxo, quase que corroborando o preço que cobram as casas mais famosas em matéria de feijoada de bufê, a começar pelo Rubayat, que já passou dos R$85,00 por pessoa e continua tendo um público de quartas e sábados que fazem fila de espera para provar a iguaria.  "Agora servimos uma feijoada individual, peça que vocês vão gostar".
Precavido, pergunto pelos pertences e assim descubro que o rabo, a orelha, os pés e a língua não fazem mais parte daquele prato. Peço refúgio na alheira, que vem bem servida, enquanto meu amigo continua no propósito primeiro, ele que não questiona a feijoada, mesmo que ela venha sem aqueles pertences que a caracterizam desde sempre.
A feijoada dele veio com 4 pequenos nacos de laranja, umas duas colheres de couve, um potinho mínimo de torresmo, uma bisteca bem feita e bem servida, um feijão sem graça, recheado com algumas fatias de lingüiça e paio e uma envergonhada costelinha de quatro dedos de altura. Reclamo por mais laranja e por um caldo de feijão que dê gosto ao conteúdo mirrado de um charmoso pote de estilo Creuset de tamanho médio.
Uma decepção, por mais que a proprietária tenha corrigido tudo que pode, na medida do possível e a seu alcance.
Moral da história - há feijoadas que mereciam morrer com dignidade. A do jacaré é uma delas.