uma receita simples
Para me recuperar da surra merecida que meu time, o medíocre São Paulo, levou do Santos neste Domingo, decidi fazer um molho dito "Bolonhesa", a partir de uma rabada com agrião, preparada no dia anterior com direito a meio litro de sauvignon blanc chileno de pouca monta.
Limpei como pude todo colágeno, retirando a carne do osso com a ajuda de uma faquinha bem afiada e desfiando com as mãos (limpas).
O agrião virou acompanhamento de outro prato, uma língua para se comer quente, temperada com molho de mostarda, cebola e ketchup. Com a ajuda de três dentes de alho grandes e maduros, temperei bem a mistura de toucinho e azeite. Pus a rabada a refogar um pouco. Molhei com dois copos de leite e meia lata de tomate pelado e sem sementes vindo diretamente da Itália. Piquei um punhado de cogumelo seco shitaki (depois que saíram do encosto em eucalipto, melhoraram muito), refoguei na manteiga e juntei. Deixei apurando por uma hora, acertei o sal, aromatizei com Caiena e levei à mesa com 200g de spaghetti nº3.
Alguém vai me dizer, isto está longe de ser uma receita a bolonhesa e vou responder, defensivamente, mas o que é exatamente uma bolonhesa?
No livro sobre embutidos que está para ser publicado pela Senac SP, escrevi sobre o assunto o que reproduzo:
<3> Ragu a bolonhesa com linguiça
Ah! o famigerado molho à bolonhesa. A essência deste molho, tão popular, são a carne moída e a presença do tomate. Ele nem sempre leva linguiça, toucinho ou presunto cru, leite ou vinho, louro e salsão. Nem sempre fica com a aparência de um molho bem curado. Às vezes, é apenas um molho de tomate com carne moída, cujas manchas são a delícia das propagandas de sabão em pó televisivas.
É evidente que a presença ou ausência da carne de porco não é uma questão de somenos importância no molho de carne que se usa para a pasta italiana, tenha o macarrão a forma que tiver, se redonda ou achatada, se for nhoque, de batata ou semolina, se lazanha etc.
E a situação torna-se mais complicada quando consideramos ao menos três outras importantes variáveis: o tempo de cocção, a presença ou não do leite ou do creme de leite na finalização do molho, e o vinho como ingrediente de cocção.
Pesquisando várias receitas, Marcella Hazan sugere que a receita original do bolonhesa não leva carne suína.[1] Já Luigi Carnacina, responsável por uma apostila de receitas editada pela Fabbri, recita o molho bolonhês com presunto cru e toucinho fresco.[2] As receitas de Giovanna Savoldi[3] completam as dificuldades de entendimento de quem quer definir o que vem a ser o molho à bolonhesa. O seu “Ragú alla bolognesa”[4] é feito com carne de boi, carne de vitela e presunto cru (leva tomate, é claro); já no “Fettuccine alla bolognese”[5], o "molho" é um ragu de carne misturado com queijo parmesão ralado, mais nada. Ela também apresenta uma “Lasagne alla bolognese”[6] com presunto cru, fígado de galinha, a parte magra do toucinho, pancetta e nada de carne bovina!? Finalmente, “Pappardelle alla bolognese”, também feita simplesmente com ragu de carne.
Se nem mesmo a carne moída ou picada é ingrediente obrigatório, qualquer comida feita com tomate (e que manche a roupa) pode ser chamada de “à bolonhesa". O que não quer dizer que pratos à moda de Bolonha não sejam excelentes, ainda mais com embutidos, como é o caso das duas receitas que se seguem, uma de um ragu com lingüiça e outra de uma interessante sopa com mortadela.
Pique cebola, um talo de salsão e cenoura. Refogue na manteiga.
Acrescente as carnes – patinho e linguiça calabresa (sem a tripa), em partes iguais. Deixe em fogo alto até sumir a água. Acrescente uma concha de vinho branco seco e deixe no fogo até que ele se evapore. Adicione uma concha de leite, noz moscada e cravo moído. Ao reduzir, coloque uma folha de louro e a polpa de três ou quatro tomates grandes e maduros passados na peneira. Salgue e apimente. Diminua o fogo, deixe a panela tampada em 4/5 até resultar num molho escuro e bem reduzido.
Bolonha, La grassa (a gorda), está para a Itália como Lyon está para a França, quando se trata de embutidos. Por isso, não é de se estranhar a existência de muitos usos e receitas deste verdadeiro baú sem fim, alguns bastante inusitados, como as duas receitas que vem a seguir
[1] Marcella Hazan, Fundamentos da cozinha italiana clássica (São Paulo: Martins Fontes, 2002), p. 208.
[2] Lugi Carnacina, La pasta asciutta, ripiena, al forno, col. I Jolly della buona cucina (Milão: Fabbri, 1973), p. 54.
[4] Ibid., p. 14.
[5] Ibid., p. 29.
[6] Ibid., p. 34.
[7] Resultado, escolhemos uma receita que nem está nos livros, a de Massimo Puzzilli, um romano que manteve a rosticceria La Ciociara em São Paulo!
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